A relação de uma mãe com seu filho é de uma singularidade que nenhum outro vínculo afetivo é capaz de compreender.
"ser mãe é padecer no paraíso". Provavelmente trata-se
de uma tradução leiga do Gênesis, do "parirás com dor", maldição lançada
por Deus contra a mulher desobediente. A dor surge exatamente no
momento da maior alegria que um ser humano pode ter: dar à luz um novo
ser. A editora pergunta se não é exagerado associar a maternidade ao
paraíso, mesmo que dolorido. Pensa-se que não. Isso fala de uma
especificidade do amor materno, diferente do paterno.
Estudemos uma cena mais que habitual. Pai, mãe e
filho-bebê estão na sala. O bebê fala, por assim dizer, faz um barulho
como "ióóó". O pai fica indiferente, a mãe exclama: "Ah, coitadinho,
está com fome". Passado certo tempo, lá vem o bebê de novo, agora com:
"heiuc, heiuc". Pai, impassível. Mãe: "Você viu como ele está contente
com o novo chocalho?". Daí, em seguida, para dizer que "spé, spé" é dor
de ouvido, fica fácil. O pai disfarça seu espanto descrente desse
diálogo, a ele, esquisitíssimo. Mas imagine só se não houvesse alguém
suficientemente "imaginativo", sendo delicado, para interpretar esses
primeiros balbucios incompreensíveis a um pai?
A RELAÇÃO DA MÃE COM UM FILHO É IMEDIATA. O PAI FICA LOUCO PARA QUE O FILHO COMECE A FALAR E ANDAR PARA QUE ELE O SINTA COMO SEU FILHO
A relação de uma mãe com um filho é imediata, ela
não depende das formas estabelecidas da cultura. O pai fica louco para
que o filho comece a falar e andar para que ele o sinta como seu filho.
Batismo para pai é o primeiro jogo de futebol juntos. Ah! Aí a alegria
independe do resultado do jogo! Mãe, não. Vejamos outro exemplo, mais
triste, mas não menos evidente. O que vemos nas filas das portas dos
presídios em dias de visitas? Mães ou pais? Mães, a resposta é fácil,
dada a grande discrepância. Como amor de mãe não tem o intermediário da
cultura - é direto -, filho nunca é criminoso, é sempre, e antes de
tudo, filho. Chico Buarque cantou esse aspecto em Meu guri, a história
daquela mãe que diante de todas as evidências da bandidagem do guri,
continuava a vê-lo como um anjo de altar. Assim são as mães.
Se paraíso é a contemplação direta do divino, ser
mãe tem um quê de paradisíaco, pois assim ela vê seu filho. E a dor?
Ora, a dor, paradoxalmente, pode até ser buscada como marca de ligação
com o filho, do gênero da equação emocional: "Se sofro dessa maneira, é
só por você, porque você é meu filho". É o uso do sofrimento como
assinatura do cartório do paraíso.
Hoje, de fato, está um pouco em desuso choramingos
maternais. A liberação sexual e econômica da mulher é um pouco
incompatível com essa ideia de mater dolorosa; fala-se, então, em uma
mãe real. Mas o que será isso: "mãe real"? Aquela que cuida dos filhos,
que trabalha, se arruma e namora? Sim, conhecemos essa mãe, é a mãe
objetiva, que vive reclamando de seus vários empregos, fora de casa e em
casa, que requer direitos sobre sua alegada dupla ou tripla jornada de
trabalho, que está exausta, arre! Pobre moça! Será que não fica mais
fácil dizer sobre sua satisfação de poder ter vários papéis e ainda
manter só para si o prazer enorme de poder traduzir um grunhido de uma
criança em: "te amo, mamãe", ao qual pai nenhum pode contestar?
Existem mães que, preocupadas com suas imperfeições,
exageram na busca de manuais da mãe exemplar. Não é um bom caminho,
acabam dando material para as caricaturas tão conhecidas do Ziraldo. Não
existe mãe perfeita nem ideal, há, sim, para cada um, alguém que cumpre
essa função com suas qualidades e defeitos. E é sempre melhor que o fi-
lho enfrente o defeito de uma mãe que o de um suposto técnico em
maternidade. Falava-se antigamente que a mãe perfeita seria a mãe
asmática, pois ao responder imediatamente a cada pedido do filho, antes
mesmo que ele se pronunciasse, acabava por sufocá-lo.
Enfim, mãe, sofrer no paraíso é demasiadamente
humano e mortal. É o passaporte de dupla nacionalidade: o de fora e o de
dentro da cultura; é a fronteira do céu.
Fonte: Revista Psique
Jorge Forbes é psicanalista
e médico psiquiatra. É analista membro da Escola Brasileira de
Psicanálise (A.M.E.), preside o IPLA - Instituto da Psicanálise
Lacaniana e dirige a Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano
da USP. www.jorgeforbes.com.br
estou com um bebe de 7 meses e amando essa experiencia.
ResponderExcluiradorei o seu blog, parabens, esta ajudando muitlo esta marinheira de primeira viagem que vos fala.
a proposito, vc leu o livro "autoestimulação precoce do bebê"? achas que compensa comprar?
keilagabi_13@hotmail.com
parabens mesmo